O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região,
localizado em Brasília, passou por cima das portarias do Ministério da Educação
(MEC) e autorizou o uso do Enem como certificado de conclusão do ensino médio
por uma estudante treineira com menos de 18 anos e que ainda não tinha
concluído essa etapa escolar. Hoje, as normativas do governo federal só
permitem a certificação de ensino médio pelo Enem para candidatos com pelo
menos 18 anos.
A decisão da Corte foi baseada em uma ação judicial
proposta por uma aluna do Tocantins. Ela nem sequer tinha completado 17 anos
quando realizou o Enem de 2013. Pelo seu bom desempenho no exame, a jovem
conseguiu alcançar a pontuação necessária para entrar no curso de Ciência da
Computação na Universidade Federal do Tocantins (UFT). Mas ela só conseguiu
efetivar a matrícula com a ajuda da Justiça, já que enfrentou resistências da
UFT.
Para o relator do processo, a decisão teve como
justificativa principal a prerrogativa da justiça em defender a garantia do
acesso à educação. "[A decisão] se apresenta em sintonia com o exercício
do direito constitucional à educação e com a expectativa de futuro retorno
intelectual em proveito da Nação, que há de prevalecer sobre formalismos
eventualmente inibidores e desistimuladores do potencial científico daí
decorrente", afirma, em seu voto, o desembargador federal Souza Prudente.
A visão do magistrado, que foi avalizada, por
unanimidade, pela 5ª turma de desembargadores do TRF e referendada pela Corte
na última semana após análise de recurso de apelação, é totalmente contrária a
decisões dadas por outros tribunais e juízes federais espalhados por todo o
País.
Uma série de outras decisões entendia que as regras do
MEC eram claras: Enem como instrumento de certificação, somente para candidatos
com pelo menos 18 anos. Tais visões também colocavam em destaque uma das
principais funções dessa certificação, a de atender pessoas mais velhas que
encontram no Enem uma alternativa mais prática de obter o diploma do ensino
médio. Algo mais simples, por exemplo, que alguns cursos supletivos regulares.
Jurisprudência
Mesmo a ação sendo favorável, por enquanto, apenas à
estudante de Tocantins - autora da ação -, a derrubada das exigências
estipuladas pelo MEC abre precedentes, por meio da jurisprudência criada pelo
TRF da 1ª região, para que estudantes treineiros, possam ingressar nas
universidades, por meio do Enem, sem precisar concluir o ensino médio regular,
hoje com duração de três anos.
Para conseguir tal proeza, bastaria, em tese, o
estudante atingir o mínimo de 450 pontos em cada uma das áreas de conhecimento
do exame e pelo menos 500 na redação. Assim, ele estaria habilitado a obter o
certificado de ensino médio tendo como base o seu desempenho no Enem.
Além disso, no momento da inscrição, para conseguir
tal certificação pelo exame do MEC, o candidato deve indicar a pretensão de
utilizar os resultados do Enem para fins de certificação bem como a instituição
certificadora, como as secretarias de estaduais de Educação ou os Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
"Caso a secretaria de educação se recuse a
expedir o certificado, basta entrar com um mandado de segurança para exigir a
certificação", explica o advogado da estudante de Tocantins, Lourenço
Corrêa.
E como praticamente todas as universidades federais já
aceitam o exame em seus vestibulares, o aluno "certificado" pelo Enem
não encontra resistência na matrícula por meio desse "atalho" aberto
pela justiça, já que estaria respaldado com o documento já emitido pelas
instituições certificadoras.
Desdobramentos
“preocupantes”
Essa alternativa para o ingresso precoce no ensino
superior é visto como "preocupante" por especialistas consultados
pelo iG. Com mais candidatos disputando as mesmas vagas, a concorrência também
poderia ficar mais acirrada. Sem falar que a vaga, que deveria ser ocupada por
um estudante concluinte ou egresso, poderia vir a ser preenchida por esse
"novo público" de treineiros, geralmente formado por alunos que recém
finalizaram o 2º ano e têm entre 15 e 17 anos.
"Trata-se de uma questão preocupante, que pode
vir até a acabar com o ensino médio. Infelizmente tais decisões são
equivocadas. Os magistrados precisam obter um esclarecimento maior sobre as
repercussões de tais decisões. Por lei, o estudante tem de ficar três anos no
ensino médio", afirma José Fernandes de Lima, presidente do Conselho
Nacional de Educação (CNE), órgão consultor do MEC.
A opinião é compartilhada pelo especialista em
avaliação Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo (USP). "Quanto mais jovens nós somos, menos maduros nós
somos. Participar de todo o ciclo do ensino médio representa uma experiência
cultural importante", diz.
Ainda segundo Alavarse, o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) – órgão ligado ao MEC responsável pelo
Enem – poderia criar mecanismos para barrar a realização do exame para fins de
certificação pelos treineiros. "No entanto, sabemos que é algo difícil de
se instrumentalizar", explica.
Hoje, pela falta de sincronização dos sistemas de
registro escolar das secretarias de educação de todo o País, não é possível
fazer um cruzamento de dados que seja capaz de identificar o histórico do
estudante. Ou seja, não dá pra identificar se o candidato que pleiteia a
certificação pelo Enem e informa que é concluinte no momento da inscrição, é
estudante, de fato, do 3º ano do ensino médio ou é apenas um aluno do 2º ano
interessado na certificação.
Recurso
Consultada pelo iG, a UFT informou que ainda não foi
notificada da sentença que negou provimento aos Embargos de Declaração
(recursos de apelação) analisados pelo TRF na última semana. Ela deve ser
publicada até o dia 16 de agosto. A decisão da Corte de segunda instância,
contundo, ainda cabe recurso junto aos tribunais superiores de terceira
instância (Superior Tribunal de Justiça e/ou ao Supremo Tribunal Federal).
A Procuradoria Regional Federal, que acompanha o caso
da UFT, teria portanto um prazo de 30 dias após a publicação da sentença para
recorrer da decisão final do TRF junto ao STF ou STJ.
No entanto, conforme outras sentenças, de primeira
instância, analisadas pela reportagem, é comum nesses casos que, na reanálise
da decisão em questão, os magistrados venham a evocar a teoria do "fato
consumado" e entendam que a aluna já garantiu o direito à vaga por já
estar cursando ou ter cursado alguns períodos na faculdade desde o transcurso
inicial da ação. Logo, é pouco provável, a estudante perder o acesso à universidade
garantido com a decisão do TRF.
Fonte: Ig
Educação
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