11/09/14
Stephen Hawking ataca novamente. O famoso físico britânico lançou um alerta à humanidade ao destacar que a manipulação do bóson de Higgs — a tal “partícula de Deus”, descoberta em 2012 no maior acelerador de partículas do mundo — pode levar à destruição do próprio Universo.
OK, todos sabemos que o bom e velho Hawking é mesmo dado a afirmações grandiosas. Recentemente ele disse que talvez buracos negros não existissem.Mas esta bateu todos os recordes. Poderia mesmo um experimento de física levar ao fim do cosmos como o conhecemos?
O físico delineia a ideia não num trabalho científico, mas no prefácio de um novo livro chamado “Starmus”, um apanhado de artigos de astrônomos e astronautas renomados, reunidos num festival científico de mesmo nome realizado em Tenerife, na Espanha, em 2011 (a segunda edição acontecerá em duas semanas).
“O potencial de Higgs tem a preocupante característica de que possa se tornar metaestável em energias acima de 100 bilhões de giga-elétronvolts (GeV)”, escreveu o cientista britânico. “Isso significa que o Universo poderia sofrer um decaimento catastrófico do vácuo, com uma bolha do vácuo verdadeiro se expandindo à velocidade da luz. Isso poderia acontecer a qualquer momento, e não veríamos o que nos atingiu.”
É de apavorar, não? Mas calma, não priemos cânico. Vamos primeiro tentar entender a história, e depois perceber que não é tão ruim quanto parece.
O SEGREDO DA MASSA
O bóson de Higgs, talvez você se lembre, causou muito alarde em 2012, quando foi finalmente descoberto, após meio século de busca. Os experimentos conduzidos no LHC, o Grande Colisor de Hádrons, confirmaram que essa partícula — a peça que faltava no quebra-cabeças da física de altas energias — de fato existe e é a responsável pela massa de todas as outras partículas.
Talvez não soe tão grandioso posto dessa forma, mas lembre-se: a massa é o que gera a gravidade. E, se não houvesse gravidade no Universo, estrelas não poderiam se formar, nem planetas, nem nós. Não é à toa que o físico ganhador do Nobel Leon Lederman deu a ela esse apelido imponente, “partícula de Deus” (ou “partícula-Deus”, como queira).
Um detalhe importante: não é a partícula em si que produz a massa. É o campo associado a ela — uma entidade real que permeia o espaço. Em essência, o campo de Higgs é como uma gosma pegajosa que existe em toda parte. As demais partículas, ao atravessá-lo, sofrem resistência. E com isso ganham suas massas. Cada partícula interage de forma diferente, e por isso tem massa diferente. Já uma partícula que parece indiferente ao campo de Higgs é o fóton, que faz a luz. Por isso a luz viaja pelo espaço na velocidade máxima permitida — ela não sente a gosma pegajosa e, portanto, não tem massa.
Certo. O que Hawking está dizendo é que alguns cálculos sugerem que nem sempre esse campo de Higgs se comporta dessa maneira — o potencial é “metaestável”. Se você colocar energia suficiente nele, talvez ele se torne outra coisa. E aí é como desligar a massa das partículas, reajustá-la ou invertê-la. A gravidade para de funcionar do jeito tradicional e o espaço se expande violentamente. A própria matéria se dissipa, com seus componentes todos subitamente acelerando à velocidade da luz, sem ter mais as amarras da gosma pegajosa.
Não bom.
SEM RISCO IMEDIATO
A única coisa que nos deixa tranquilos é a energia envolvida para que isso — talvez, apenas talvez — aconteça. Hawking fala em 100 bilhões de gigaelétron-volts. É um montão. Para que se tenha uma ideia, o Higgs foi descoberto no LHC com uma energia de 4.000 gigaelétron-volts. De 4.000 para 100.000.000.000 tem um bocado de zero a mais.
“Um acelerador de partículas que atinja 100 bilhões de gigaelétron-volts teria de ser maior que a Terra, e é improvável que seja financiado no atual clima econômico”, brinca o físico britânico.
A grande pergunta é: o potencial do Higgs é mesmo metaestável? Ou seja, é possível em tese bagunçá-lo e zoar o Universo? Ninguém sabe. Contudo, não parece absurdo.
Afinal, alguma coisa muito parecida com isso deve ter acontecido lá atrás, 13,8 bilhões de anos atrás, para dar início à expansão do Universo. Em seu texto, Hawking sugere que a melhor forma de investigarmos essa questão cientificamente é justamente olharmos para trás, para o Big Bang, onde talvez tenha havido a energia necessária para desestabilizar o Higgs.
UMA IMODESTA ESPECULAÇÃO
Permita-me, caro leitor, compartilhar um voo da minha imaginação diante dessas observações de Hawking.
Imagine por um momento que houvesse um outro universo antes do nosso — antes do familiar Big Bang, ocorrido 13,8 bilhões de anos atrás. Nesse antigo cosmos hoje inacessível, talvez até destruído ou sobreposto pelo nosso, havia uma civilização tão curiosa quanto a humana. Eles gradualmente galgaram os degraus do avanço tecnológico, indo de paus e pedras a bombas atômicas e aceleradores de partículas, como nós fizemos.
Então eles excederam nossas atuais capacidades. Em muito. E descobriram, com certo espanto, que seu Universo não era tão confortável quanto poderia ser. Talvez tenham identificado que ele fosse acabar num Big Crunch, esmagado pela própria gravidade, ou quiçá consumido pelo frio e inexorável avanço da entropia, destruindo toda e qualquer estrutura que pudesse nutri-los. Mas esta civilização não queria morrer, nem queria ver o cosmos encontrar seu fim.
Decidiram então aplicar todos os seus conhecimentos avançados em um experimento final — a desestabilização do campo de Higgs e a consequente ressurreição do Universo. A iniciativa produziria uma imensa bolha de espaço-tempo, crescendo a uma velocidade espantosa e convertendo energia do vácuo em matéria. Um novo cosmos nasceria. Talvez eles pudessem adentrá-lo no instante exato para sobreviver em seu interior. Talvez não. De toda forma, tomaram todo o cuidado, em seus cálculos, para produzir a quantidade exata de matéria e energia no processo de expansão cósmica, de forma que o novo cosmos não só fosse duradouro e hospitaleiro, como também plano e infinito até onde se pudesse ver. Amigável à vida. Nascia daí o nosso Universo, cuja sintonia fina é aparente e espanta os cosmólogos, mas somos hoje incapazes de compreender por quê.
Será que algo assim pode ter acontecido? Deixo ao leitor a inglória tarefa de julgar a verossimilhança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário