Por Valdinei Caes, filósofo
Quanto vale a vida? Quanto vale a dignidade? Qual é o
valor da liberdade? Essas perguntas, ao longo da história humana, já motivaram
a escrita de milhões de páginas pelo mundo e, mesmo assim, não foram totalmente
respondidas, pois o valor é incomensurável. No entanto, para o grupo extremista Boko Haram, a
vida, a dignidade e a liberdade de mais de 200 jovens nigerianas podem ser
comercializadas por aproximadamente R$ 29 (vinte e nove reais). Elas foram
raptadas pelo grupo extremista em uma escola de Chibok, na Nigéria, em abril de
2014, sob a justificativa de que mulheres não devem ter acesso à educação.
Boko Haram e o etnocentrismo
O termo Boko Haram em haussa, isto
é, a língua mais falada no norte da Nigéria, significa: “a educação ocidental é
pecaminosa ou a educação ocidental é um pecado”. Boko Haram é um grupo extremista que surgiu em meados de 2000 e,
gradativamente, foi conquistando novos militantes, em função dos discursos
agressivos e das fortes críticas contra a corrupção do governo nigeriano. Desse
modo, o grupo se fortaleceu. Esse fortalecimento deu-lhes o direito de não
respeitar qualquer cultura oposta a do grupo. Isso caracteriza asupervalorização dos próprios interesses em detrimento da cultura alheia -
característica do etnocentrismo.
Em outras palavras, o etnocentrismo representa a visão
de mundo segundo a qual uma nação considera o seu grupo étnico socialmente mais
importante do que os demais. Isso apresenta as raízes de um choque cultural que, entre outras coisas, vem à tona
quando o ser humano perde a capacidade de respeitar a alteridade com tudo
aquilo que lhe é próprio. Um bom exemplo disso é a inadmissão de um Estado
laico, por parte de Boko Haram. Um Estado laico não é sinônimo de ateísmo;
muito pelo contrário, é sinal de uma diversidade religiosa e da capacidade de
se aceitar o outro com as suas diferenças, com seus costumes e tradições.
A tolerância e o respeito são valores imprescindíveis
para a construção de uma cultura de paz, sem violência, sequestros e mortes. Se
não houver respeito e tolerância àquilo que é diferente, em termos culturais, a
convivência se torna insuportável. Nesse sentido, Martin Luther King foi muito
assertivo quando afirmou: “Aprendamos a viver juntos como irmãos; caso
contrário, vamos morrer juntos como idiotas”.
O Estado de Borno
O Estado de Borno localiza-se no nordeste da Nigéria,
cuja capital é a cidade de Maiduguri; espaço geográfico castigado pela pobreza e pelo analfabetismo.
As crianças com menos de dois anos, em sua maioria, não são vacinadas, e
aquelas que estão em idade escolar não estão matriculadas; mais de 80% dos
jovens de Borno são analfabetos. Mais de 30% das crianças muçulmanas também
nunca estudaram ou nunca tiveram a oportunidade de entrar em uma sala de aula.
Segundo o jornalista francês Jean Christophe Servant, todos esses fatores
tornam a população particularmente vulnerávela
influências negativas, entre elas, a violência.
Além da miséria e do analfabetismo que assolam esse
Estado, a incapacidade de conviver com a pluralidade étnica é outro fator que caracteriza um
choque cultural. A educação, corrupção do governo nigeriano e o mau uso dos
recursos públicos, a disputa pelo poder, bem como a disputa acirrada por terras
são justificativas do Boko Haram para críticas e medidas de violência contra um
Estado laico. Ademais, jamais são pressupostos para que outros males sejam
igualmente praticados. Um erro não justifica a prática de outro erro.
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